segunda-feira, 16 de março de 2015

Walt Disney Escrito ao Contrário é Big Brother, Mas E Daí? - Tecno-segunda #6


Se você quiser imaginar como o mundo vai ser daqui a alguns anos, depois que os celulares se tornarem os guardiões de nosso dinheiro e nossa identidade, esqueça o Vale do Silício e compre uma passagem para Orlando. Vá para a Disney World. Faça uma reserva no restaurante Be Our Guest [Nome em inglês da música "À Vontade" de A Bela e a Fera], fazendo seu pedido adiantado através do aplicativo da Disney World [My Disney Experience, disponível gratuitamente para iOS e Android].

O restaurante fica além de um portão de pedras de fibras de vidro gigantescas, obsessivamente pintadas para parecerem ruínas do passado. Depois de cruzar uma ponte levadiça cartunesca, você verá as torres de um castelo s erguendo além de uma escarpa nevada, ambos concebidos em miniatura para parecer que estão muito longe. A entrada em estilo Gótico é minúscula. Esse tipo de intimidade dosada é um truque psicológico concebido pelo próprio Walt Disney para fazer os visitantes se sentirem maiores que seus eus do dia a dia. E funciona. A sensação é a de andar pelas páginas de um livro de histórias.

Se você estiver usando a sua Disney MagicBand e tiver feito reserva, um funcionário irá recebê-lo na ponte, te chamando pelo nome - "Bem vindo, Sr. Lima!" Depois dele estará outra pessoa - "Sentem-se onde quiserem!" Nenhum dos dois diz que, misteriosamente, a comida que você pediu vai chegar.

"Parece mágica!" diz uma mulher à sua família enquanto sentam. "Como eles acham nossa mesa?" O restaurante, inspirado no salão de baile de A Bela e a Fera, é decorado em estilo barroco, mas parece uma enorme e bem-organizada lanchonete. O filho pequeno do casal voeja em volta da mesa como uma mariposa. Depois de alguns minutos, ele sobe na cadeira sem sentar de verdade, como as crianças costumam fazer. Logo, a comida chega exatamente como prometido, entregue por um jovem sorridente empurrando um carrinho decorado que parece pertencer à mostra de algum museu antigo.

É surpreendente como a válida pergunta da mulher se perde, sem resposta, no cheiro de sopa de cebolas francesas e sanduíches de rosbife. E é assim que tem que ser. Assim que cruzaram o fosso, a família entrou em uma rede de tecnologia concebida para antecipar cada desejo sem um pingo de explicação.

Como eles acham a nossa mesa? A resposta está em seus pulsos.

Suas MagicBands, pulseiras tecnológicas disponíveis a todos os visitantes do Magic Kingdom, possuem um rádio de longa distância que pode transmitir a até 12 metros em todas as direções. A màitre, em seu iPhone modificado, recebeu um aviso quando a família estava virando a esquina. "Família Lima chegando!" E na cozinha, apareceu na fila de preparo, "Duas sopas de cebola francesa e dois sanduíches de rosbife!" Assim que sentaram, um receptor na mesa captou o sinal das MagicBands e enviou a sua localização para outro receptor no teto. O servente sabia o que eles queriam comer antes de eles se sentarem ou mesmo chegarem no restaurante.

E tudo funcionou perfeitamente, como mágica.

Por mais que digamos que a tecnologia nos assusta, costumamos nos acostumar bem rápido se ela nos dá o que queremos antes de querermos. Isso é especialmente verdade com as tecnologias contextuais. Pense em como ninguém mais liga que o Google Maps garimpe o seu Gmail. Hoje, o Google Maps é pontilhado com as suas pesquisas de lugar, os eventos que você organizou com seus amigos e os pontos de referência sobre os quais você conversou. É uma maravilha, que nos conquistou mais rápido que os arrepios. É tão útil e tão óbvio que simplesmente presumiram seu consentimento.

A mesma ideia está tomando conta da Disney World: Como eles acharam nossa mesa?



Um Mundo sem Desgaste




Walt Disney tomou seu seguro de vida como empréstimo para pagar o projeto original da Disneylândia e, de acordo com amigos e família, foi sua hora mais feliz. O lugar era sua caixa de areia. "Você vai entrar no passado, no futuro e na terra da fantasia," anunciou ele nas primeiras brochuras para o parque. "Não existe nada do presente." A expansão do império Disney deu à luz a Disney World em 1971 e, dentro daquele mundo, a Epcot seria o Protótipo Experimental da Comunidade do Amanhã. Disney queria que as pessoas se mudassem e vivessem com tecnologias que o resto de nós mal podia imaginar. De um certo modo, as MagicBands e sua plataforma online, MyMagicPlus, tornam esse sonho realidade. Mas não do jeito que ele imaginou.

As MagicBands parecem pulseiras de borracha simples e estilosas, que vêm em felizes tons de cinza [Não.], azul, verde, rosa, amarelo, laranja e vermelho. Dentro de cada uma há um chip RFID e um rádio tipo os que os telefones sem fio de 2.4 GHz têm. Sua bateria dura dois anos e ela não parece grande coisa, mas te conecta a um vasto e poderoso sistema de sensores. E mesmo assim, durante a visita ao Disney World, a coisa mais notável das MagicBands é justamente que elas não são dignas de nota. Elas fazem parte do lugar tanto quanto queimaduras de sol e limonadas congeladas gigantes. Apesar de suas intenções futuristas, elas já são invisíveis.

Parte da magia está no jeito que a Disney te ensina a usá-las - e, por tabela, a usar o parque. Tudo começa quando você compra seus ingressos e escolhe seus brinquedos favoritos. Os servidores da Disney processam as suas preferências e as devolvem para você, arrumadinhas, como um itinerário feito para que o seu passeio não seja uma peregrinação em zigue-zague pelo parque. Então, nas semanas antes na viagem, a pulseira chega pelo correio, gravada com seu nome - Sou sua, me experimente. Para as crianças, a MagicBand equivale a um presente debaixo da árvore de natal, perfumada com o doce aroma da expectativa. Para os pais, é um pequeno superpoder que lhes dá controle sobre o parque.

Se você contratar o pacote "Magical Express", a MagicBand substitui todos os detalhes e papeladas depois que você pousar em Orlando. Usuários da Express podem tomar um ônibus direto para o parque e fazer o check-in no hotel, sem se preocupar com as malas, que foram todas marcadas no aeroporto de origem e vão te acompanhar até o hotel e seu quarto. Assim que você chegar ao parque, não há ingressos para entregar. Apenas encoste a MagicBand no portão e suba nos brinquedos que você reservou. Se você fez a compra pela internet, a MagicBand é a única coisa que você precisa.

É incrível a quantidade de desgaste que a Disney eliminou: você não precisa alugar um carro nem perder tempo na esteira de bagagem. Você não precisa carregar dinheiro, porque a pulseira se conecta ao seu cartão de crédito. Você não precisa esperar em filas enormes. Você nem precisa se dar ao trabalho de pegar a carteira quando o seu filho pegar um Olaf de pelúcia gigante e prometerem se comportar e nunca mais pedir mais nada, por favor, por favor, siiiim?

Mas isso é só o que você, o visitante, vê. Para a Disney, as MagicBands, os milhares de sensores com que elas se comunicam e os 100 sistemas ligados que formam o MyMagicPlus transformaram o parque em um computador gigante - transmitindo dados em tempo real sobre onde os visitantes estão, o que estão fazendo e o que querem. Ele é feito para antecipar os seus desejos.

E esse tipo de coisa é exatamente o que a Apple, o Facebook e o Google estão tentando criar. Exceto que a Disney World não é só um aplicativo ou um telefone -  são os dois ao mesmo tempo, embalados em uma visão idealizada da vida que parece um globo de neve de tão auto-contida. Desse modo, a Disney recebe permissão de explorar serviços que seriam invasão de privacidade em qualquer outro lugar. Mas é aí que está o pulo do gato: cada nova experiência com a tecnologia muda um pouquinho os limites do nosso conforto.

Fonte: WIRED

Nenhum comentário:

Postar um comentário