terça-feira, 23 de junho de 2015

Levar Spoiler Da Produtora É Como Ser Afogado Pelo Salva-Vidas - Terça no Cinema #18



Depois de sete horas em dois trens, duas horas esperando a troca na estação e mais duas horas dirigindo, minha esposa e eu chegamos em casa depois de duas semanas de férias, lá pela uma hora da manhã. A primeira coisa que fizemos depois de seis horas de sono foi tirar um caminhão de areia dos olhos. A segunda foi assistir o último episódio da temporada de Game of Thrones. Por algum milagre conseguimos evitar os spoilers.

Esse texto não é sobre Game of Thrones e não terá nenhum spoiler, pois ele fala de um conceito maior - um tipo sorrateiro e inevitável de spoiler que faz parte de ser um fã de basicamente qualquer série onde pessoas possam morrer.

Já que as notícias de elenco se tornaram uma parte normal da nossa dieta de conhecimento sobre a cultura pop, é quase impossível manter a surpresa de quais personagens morrem e permanecem mortos.

Houve um tempo que eu achei que esse era o preço a se pagar para escrever colunas sobre filmes e televisão - que a minha necessidade profissional de estar alguns passos à frente com a informação certa viria antes da parte puramente fã da minha personalidade. Talvez isso fosse verdade alguns anos atrás, mas hoje, mesmo em um mundo onde a maioria das fontes responsáveis de informação e opiniões tentam manter as manchetes sem spoilers, nossa fonte algorítmica de entreformação ("entretenimento e informação". Que foi? "infotenimento" já tinha sido registrado!) garante que saibamos que o Ator Fulano PROJAC da Silva renovou o contrato alguns minutos depois de ele assinar o papel.

Deste modo, sabemos antes mesmo que a produção da temporada seguinte começar se Fulano PROJAC vai voltar ou não (ou seja: vivo ou morto). Sendo alguém que ganha para escrever sobre filmes e TV, é uma forma de negócio que eu entendo e aceito, mas sou incapaz de imaginar como esse tipo de informação flutuando a esmo na mídia afeta as pessoas que simplesmente querem assistir algo interessante. Coisas que costumavam ser destinadas a revistas empresariais está sendo transmitida para o público geral.

No caso do personagem que talvez, provavelmente, quase que com certeza, mas não comprovadamente morreu no último episódio de Game of Thrones, isso é praticamente uma piada pronta. Sua morte/vida/desmorte é dissecada e debatida desde que foi lida pela primeira vez no último livro das Crônicas de Gelo e Fogo de George Martin quatro anos atrás. O jeito que a cena foi feita na série também não gerou nenhuma conclusão (e para quê, não é mesmo?), fora o fato que Game of Thrones existe em um universo em que nenhuma morte é permanente mesmo, então a série conseguiu nos assustar duas vezes: uma matando mais um personagem que o público queria que sobrevivesse e outra com a revelação do quão permanente a morte será. Para quem está por dentro, o ator em questão já afirmou várias vezes que não estará na próxima temporada.

A razão de ele sequer ter que comentar a respeito é que os fãs são completamente malucos, ainda mais por se tratar de uma série com um universo enorme, personagens que adoramos e grandes perguntas sem resposta. Questionar se ele estava "morto, morto mesmo" estava no topo do caderninho de todo jornalista de entretenimento.

Também é possível que ele teve que mentir porque a) as pessoas fazem isso e b) dizer que ele estará de volta anularia completamente o valor emocional da cena em que o vimos morrer. Zoar seu público é uma coisa (GoT faz isso o tempo todo), dizer que eles sentiram uma emoção sem razão nenhuma é bem diferente. Tipo ser borrifado com água tônica depois de uma facada no pulmão. Tipo mostrarem quem matou Odete Roitman e depois a Beatriz Segall aparecer dizendo "Brincadeirinha!"

A afirmação do ator de que ele não voltará é uma resposta clara, que inclusive está de acordo com o modus operandi da série de matar toda sorte de personagens permanentemente. Fora isso, também faz a cena ter peso e importância, não ser só um truque para nos deixar emocionados.

Isso seria um problema só do universo televisivo, mas a Marvel já teve seus encontros com ele por causa dos seus negócios contratuais divulgados aos quatro ventos e o uso absurdamente repetitivo do recurso de roteiro "falsa morte de um personagem importante". Nick Fury não pode morrer, espera-se; ele já negociou sua presença em mais cinco filmes. Os fãs de grandes franquias e de universos cinematográficos também vão ter que segurar esse rojão por enquanto.

Algumas séries conseguiram fazer mortes surpresas nos últimos anos - destaque para The Good Wife - mas, no que tange Game of Thrones, é estranho imaginar que vamos continuar questionando, debatendo e destrinchando cada pequena pista extraída de um screenshot borrado só para descobrir a resposta quando assinarem um pedaço de papel, não na execução da cena como deveria ser.

Fonte: FilmSchoolRejects

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