segunda-feira, 8 de junho de 2015

Já é alguma coisa... - Tecno-Segunda #17


Doctor Who usa sua ficcional chave-de-fenda sônica em uma enorme gama de situações, desde abrir fechaduras a hackear computadores, caixas eletrônicos e desarmar bombas. E ela ainda vira parafusos! E as pesquisas indicam que pelo menos um poder desse ícone da ficção científica pode ser baseado em fatos científicos.

Dizer que ondas sonoras têm energia não parece nenhuma loucura - é só pensar nas sensações físicas que um alto falante tocando notas graves em uma boate ou show causa nas pessoas. O som pode ser sentido fisicamente, não só ouvido. E um jeito fantástico de ver isso em ação são os experimentos de levitação acústica: se a distância entre um alto-falante e um refletor for calculada exatamente e eles puderem formar uma onda estacionária, pode-se levitar objetos e mantê-los no ar em regiões de baixa pressão (chamadas de nodos).


Apesar de parecer coisa do Tinhoso à primeira vista, o fenômeno se resume ao fato de que ondas acústicas, como suas irmãs eletromagnéticas, tem momentum, ou seja, são capazes de aplicar uma força, que costuma receber o nome de Força de Radiação Acústica. Se ela for maior que a gravidade, objetos levitam. Altos-falantes geralmente produzem momentum linear, portanto eles podem mover objetos em linhas retas.

Isso é ótimo para se repelir Daleks, mas não serve de nada para girar parafusos. E é aí que entram os vórtices acústicos: ondas sonoras em forma de espiral. Esse padrão faz com que os vórtices tenham momentum rotacional ao invés de linear. Se for possível transferir esse momentum para um objeto, tipo um parafuso, teremos, literalmente, uma chave-de-fenda sônica.

Os primeiros que conseguiram chegar perto de criar uma chave-de-fenda sônica foi uma equipe de pesquisa da Universidade de Dundee. Em 2012, eles criaram um vórtice acústico que funcionava com um transdutor ultrassônico médico feito para destruir tumores. Essa gambiarra foi usada para absorver o momentum giratório das ondas. Impressionante, sem dúvida, mas isso não chega ao ponto de replicar os poderes da companheira do Doutor. Nós fomos além e demonstramos que o mesmo conceito pode ser usado para manipular partículas microscópicas.

Para criarmos as ondas sonoras em espiral, nós usamos vários alto-falantes ultrassônicos em círculo. Esse arranjo, com 10mm de diâmetro, criou vórtices acústicos de apenas 1mm. E por sua vez, os vórtices foram capazes de girar objetos medindo entre 1 e 100 mícrons, a espessura de um fio de cabelo humano. Se o tamanho do objeto fosse bem específico, as ondas até chegavam a formar um minúsculo tornado.


Por exemplo, quando miramos o aparelho em uma mistura de farinha de trigo e água, os grãos de farinha foram atraídos para o centro do vórtice onde ficaram girando em alta velocidade. Em contraste, partículas menores ficaram só girando lentamente em círculos e de forma nenhuma foram atraídas para o núcleo. Tal escala milimétrica significa que podemos afirmar ter criado uma chave-de-fenda sônica para relojoeiros, capaz, talvez, de vencer a menor das chaves físicas existentes.

Apesar de ser ótimo começar a trilhar o caminho de fazer Doctor Who deixar de ser ficção científica, será que esses vórtices acústicos têm uso no mundo real? A resposta é sim, só que não como os Whovians imaginam. Por exemplo, eles poderiam ser usados como centrífugas microscópicas capazes de separar células, ou purificar água. Todas essas possibilidades se tornam possíveis graças aos estudos que mostram que partículas de tamanhos diferentes têm comportamentos próprios quando expostos a vórtices acústicos.

Ainda mais empolgante é o fato desse movimento das partículas ser extremamente sensível às suas propriedades materiais, como densidade e dureza. Isso pode gerar novos métodos de diagnósticos na medicina. Se, por exemplo, células saudáveis puderem ser separadas das doentes (acredita-se que células cancerosas sejam mais moles que o normal), seria possível detectá-las em uma escala muito pequena, o que seria perfeito para os campos da medicina e da investigação forense.

Provavelmente os vórtices acústicos logo irão ser um dos métodos usados para manipular matéria microscópica. Às vezes o fato científico pode ser tão interessante quanto a ficção - agora só falta alguém descobrir como funciona a TARDIS.

Fonte: IFLScience

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