quarta-feira, 17 de junho de 2015

Todos Merecem Falar, Mas Nem Todos Merecem Ser Ouvidos - Quarta Científica (?) #17



Todo ano, eu tento fazer duas coisas para os meus estudantes, ao menos uma vez cada. Primeiro, eu faço questão de chamá-los de "filósofos" - meio cafona, mas com sorte isso vai inspirá-los a aprender.

Segundo, eu digo algo no naipe de: "Vocês já devem ter ouvido a expressão 'todo mundo tem direito à sua opinião.' Talvez vocês mesmos já tenham feito uso dela, para iniciar ou concluir um argumento. Bom, assim que você entra nesta sala, ela não é mais verdadeira. Você não tem direito à sua opinião. Você tem direito ao que você conseguir sustentar."

Meio rígido? Talvez, mas é o dever de todo professor de filosofia ensinar nossos alunos a como construir e defender um argumento - e a reconhecer quando ele se torna indefensável.

O problema da frase "eu tenho direito à minha opinião" é que, muitas vezes, ela é usada como um escudo para crenças que já deviam ter sido abandonadas. Ela se torna um código para "eu posso pensar e dizer o que eu bem entender" - e, por consequência, continuar o debate se torna algo desrespeitoso. E, no meu entendimento, essa atitude alimenta a falsa equivalência entre especialistas e não-especialistas que está se tornando cada vez mais um aspecto pernicioso das declarações públicas.

Para começar, o que é uma opinião?

Platão fez a distinção entre opinião ou crença popular (em grego, doxa) e conhecimento verificado. Essa distinção ainda tem lugar hoje, inclusive: diferente de "1+1=2" ou "não existem círculos quadrados", uma opinião carrega um grau de subjetividade e incerteza. Só que uma opinião pode ser desde um gosto ou preferência, passando por posições a respeito de questões de interesse coletivo, como prudência e política, até chegar às declarações alicerçadas em conhecimento técnico, como opiniões científicas ou legais.

Sobre o primeiro tipo de opinião, nem há o que se discutir. Seria ridículo eu insistir que você está errado em dizer que o sorvete de morango é melhor que o de chocolate. O problema é que, de vez em quando, nós consideramos opiniões do segundo e até do terceiro tipo tão indiscutíveis quanto às questões de gosto. Talvez seja por isso (e outros motivos) que amadores passionais acham que têm direito de discutir com cientistas do clima e imunologistas e ainda ter suas posições "respeitadas."

Meryl Dorey é a lider da Rede de Vacinação Australiana, que, apesar do nome, é ferozmente anti-vacina. A Srta. Dorey não tem nenhuma qualificação médica, mas afirma que se Bob Brown [político de carreira da Austrália] pode comentar sobre energia nuclear sem ser cientista, ela pode comentar sobre vacinas. Mas ninguém considera que o Dr. Brown é uma autoridade na física da fissão nuclear; o trabalho dele é comentar sobre a resposta política à ciência, não à ciência em si.

Afinal, o que quer dizer "ter direito" a uma opinião?

Se "Todo mundo tem direito à sua opinião" só quer dizer que ninguém tem o direito de impedir os outros de pensar e dizer o que quiserem, a afirmação é verdadeira, porém trivial. De fato, ninguém pode te impedir de ficar dizendo que vacinas causam autismo, não importa quantas vezes isso foi refutado.

Mas, se "ter direito a uma opinião" significa "ter direito de ter sua posição tratada como um candidato sério à verdade", então ela é bem falsa. E essa distinção também acaba se tornando indistinta.

Na segunda feira [Dia 4 de agosto de 2014], o programa Mediawatch da ABC encomendou a cobertura de uma epidemia de sarampo da emissora WIN-TV de Wollongong. A matéria incluiu os comentários de -adivinha- Meryl Dorey. Em resposta à queixa de um espectador, a WIN disse que a história foi "acurada, justa e equilibrada, apresentando as opiniões dos profissionais médicos e de parcelas da população." Só que isso significa que os dois grupos têm o mesmo direito de ser ouvido em uma questão sobre a qual somente um tem conhecimento técnico para opinar. Novamente, se estivessemos falando de resposta política, nada de errado. Mas esse "debate" é sobre a ciência em si, ou seja, as "parcelas da população" não têm o direito de defender um ponto ao vivo sobre a questão.

O anfitrião do Mediawatch, Jonathan Holmes, foi bem menos delicado: "existem provas e existe a historinha," e repórteres não têm a obrigação de dar o mesmo tempo de transmissão para historinhas e conhecimento sério.

A resposta das vozes anti-vacinação foi bem previsível. No side do Mediawatch, a Srta. Dorey acusou a ABC de "explicitamente pedir pela censura de um debate científico." Só que essa resposta confunde não ter sua opinião levada a sério com não ter o direito de manter e expressar essa opinião - ou, parafraseando Andrew Brown, ela "confunde perder a discussão com perder o direito de discutir." Mais uma vez, dois tipos de "direito" a opiniões encontram-se misturados.

Então, da próxima vez que alguém declarar que tem direito à sua opinião, pergunte a eles por que ele acha isso. No mínimo, você vai acabar tendo uma conversa mais interessante.

Autor Original: Patrick Stokes, professor de filosofia da Universidade de Deakin, Reino Unido.
Fonte: IFLScience

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