quarta-feira, 10 de junho de 2015

Tome Duas Tuberculoses E Me Ligue De Manhã - Quarta Científica #16


Infecções são uma faca de dois "legumes" no que diz respeito ao câncer. Por um lado, elas são nossas inimigas. Vários vírus, como o HPV (causador da herpes), são famosos por criar lesões pré-malignas que podem levar à formação de um tumor. Inflamação crônica, que também pode ser causada por vírus e bactérias, também já foram associados ao desenvolvimento de um câncer.

Mas existe uma outra faceta da relação entre infecções e o câncer: elas podem ajudar na regressão de um tumor. Esse potencial de ter os patógenos como aliados nessa luta foi confirmado recentemente, quando os resultados de um teste clínico fase III foram favoráveis em pacientes de melanoma. Nesse estudo, a resposta ao tratamento foi compreensivelmente maior quando os tumores eram injetados com um vírus geneticamente modificado. Só que, apesar de nunca ter ganhado destaque, a ideia de usar vírus como armas anti-câncer não é de hoje, nem de ontem, mas de mais de um século atrás.

Piorando Antes de Melhorar


Em 1891, o cirurgião William B Coley começou a procurar tratamentos anti-câncer alternativos. Muito triste por uma jovem paciente que morrera de câncer, um sarcoma no braço esquerdo, Coley jurou encontrar um tratamento melhor. Ele procurou por registros antigos e descobriu registros de tumores que regrediram em pacientes que sofreram erisipelas, um tipo de infecção da pele causado pela bactéria streptococcus. Entusiasmado com a nova perspectiva, Coley tratou seu primeiro paciente em 1891 injetando culturas da bactéria diretamente no tumor. O paciente então teve febre altíssima e quase morreu, mas quando se recuperou, o tumor tinha desaparecido completamente. Sua saúde continuou boa por mais oito anos até que ele morreu devido a uma recaída.


Depois disso, Coley tentou curar vários de seus pacientes com sarcoma usando essa técnica, apesar do alto risco do tratamento. Mais tarde, para tornar o tratamento mais seguro, ele começou a usar uma mistura de bactérias streptococcus e serratia que eram mortas por calor antes da injeção. Apesar das bactérias não poderem mais se replicar e causar erisipelas, elas ainda geravam uma forte resposta imune e inflamação no local. Hoje sabemos que essas duas reações eram a chave do sucesso da terapia. O método criou o método das toxinas de Coley, que é citado até hoje como o primeiro tratamento bem-sucedido de imunoterapia.

Terapia Bacteriana Anti-Câncer


Câncer de bexiga é um outro exemplo do uso bem-sucedido de microorganismos como tratamento. Cerca de 70% dos pacientes de câncer de bexiga possuem um tumor não muscular e invasivo, o que significa que ele pode ser facilmente acessado de dentro da bexiga. Nestes casos, ele pode ser removido com uma pequena cirurgia, mas infelizmente esse tipo de câncer tem uma taxa de recaída muito alta, que varia de 30-75%, dependendo do tipo.

Em 1976, foi publicado pela primeira vez um artigo sugerindo o uso de uma injeção do Bacilo Calmette-Guerin (BCG) dentro da bexiga para gerar um efeito protetor. esse bacilo é muito usado em vacinações contra tuberculose. A vacina BCG é feita de uma linha bovina da bactéria que foi enfraquecida após um longo processo de cultura in-vitro. Apesar de ela não ser mais capaz de causar tuberculose em animais e humanos sadios, a vacina ainda possui bactérias vivas. Portanto, elas ainda podem ser cultivadas e injetadas.

Foi demonstrado que esse tratamento reduz duas vezes mais a chance do retorno do câncer três anos após o tratamento, quando comparado com a injeção de drogas quimioterápicas na bexiga. Entretanto, novamente, injetar patógenos no corpo tem suas desvantagens, sendo muito provável que o paciente passe por sintomas de gripe e irritação da bexiga.

Vírus ao Resgate


As bactérias não são os únicos microorganismos que podem ser usados contra o câncer. Alguns vírus têm propriedades oncolíticas (eles infectam e matam, específicamente, células cancerosas) e, ainda por cima, podem ser facilmente criados em laboratório, o que facilita a modificação genética.

Os vírus são um tipo de agente infeccioso extremamente evoluído. Quando eles entram em uma célula, injetam sua informação genética nela - ou a atiram para dentro, como o vírus da Herpes. A célula, então, usa aquela informação genética como se fosse dela, criando as proteínas virais correspondentes. Isso leva a célula, sem saber, a criar mais e mais partículas virais, até explodir. Esses novos vírus, então, podem buscar outras células para infectar.


Para a nossa sorte, as células humanas evoluíram a capacidade de "sentir" a entrada de vírus em seu citoplasma e reagir ou bloqueando sua produção de proteínas ou comentendo suicídio. Essa função é regulada com precisão e recebe o nome de "morte celular programada", impedindo que o vírus se espalhe mais.

O mais interessante sobre o câncer é que as células dos tumores, devido a várias mutações genéticas, perderam a habilidade de se proteger de vírus e realizar a morte programada. A sua incapacidade de morrer quando deveriam, na verdade, é a razão de elas serem malignas para começar. Sendo assim, os vírus podem ser um jeito de mirar, especificamente, as células dos tumores, poupando as saudáveis.

No teste clínico mencionado, foi usado o talimogene laherparepvec (T-VEC), uma forma modificada do vírus da herpes simples. O vírus normal é altamente evoluído e capaz de burlas os sensores virais de nossas células. Mas essa versão terapêutica foi enfraquecida geneticamente para ser controlável pelas células sadias e mesmo assim infectar células cancerosas. E sua habilidade de se replicar também não foi afetada, o que significa que mesmo uma pequena dose do vírus é capaz de infectar novos alvos até que todo o tumor seja destruído. Além disso, ele estimula a produção do fator GM-CSF nas células cancerosas, que faz células imunes se concentrarem na área. deste modo, o T-VEC acaba tendo dois efeitos: destruir as células diretamente e atrair células imunes para terminar o serviço.

Comparado com os exemplos anteriores, esse tratamento se mostrou bem mais seguro, sem nenhuma morte ocorrendo em decorrência dele e só alguns pacientes interrompendo a terapia alegando desconforto (4%). Ademais, a eficácia foi sem-precedentes para esse tipo de terapia, com 16,3% dos pacientes mantendo o estado de remissão por pelo menos seis meses, contra 2,1% dos pacientes do grupo de controle. Interessante notar que os benefícios foram ainda maiores em pacientes com melanomas menos graves, bem como nos que receberam o vírus como a primeira linha de tratamento.

Esses dados demonstram o potencial da infecção microbial para melhorar a imunoterapia do câncer e abrir o caminho para a criação de novos tratamentos.

Fonte: IFLScience

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