quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Cegos Sonham Com a Edith Piaf? - Quarta Científica #23


Já se sabe há algum tempo que nossos olhos se mexem durante a fase de sonho do sono, igual a quando estamos acordados e olhando para uma imagem. Esta fase do sono é chamada de "movimento rápido dos olhos", ou sono REM.

Uma nova pesquisa, publicada hoje na revista Nature Communications, mostra que a atividade cerebral durante sonhos é extremamente similar à de quando estamos acordados e processando estímulos visuais, o que sugere que o cérebro "vê" sonhos.

Não é a primeira vez que se considera essa hipótese, mas dessa vez os pesquisadores conseguiram registrar a atividade cerebral de dentro do cérebro.

Uma Rápida História da Pesquisa dos Sonhos


Os sonhos e o seu propósito têm sido um dos mistérios mais resistentes do sono. Os primeiros teóricos, como Sigmund Freud, propunham que a função do sonhar era preservar o sono expressando desejos ou vontades não realizadas no estado de inconsciência.

Mais recentemente, a função e os processos do sono e dos sonhos foram investigadas medindo os sinais fisiológicos que caracterizam esse estado de consciência.

Lá para 60 anos atrás, o pesquisador americano Eugene Aserinsky descobriu, por acaso, o sono REM, durante uma gravação da noite de sono de seu filho de oito anos. Sua seminal dissertação publicada em 1953 relatou a ocorrência de movimentos oculares "rápidos, repentinos e binocularmente simétricos" durante certos períodos do sono.

Esses movimentos também foram associados a um aumento da atividade cerebral, o que refutou a possibilidade do sono ser um fenômeno completamente passivo. Durante o sono REM, nossos cérebros estão ativos e tem atividade igual a períodos despertos e de sono leve. Mas a atividade muscular é suprimida, para que não executemos fisicamente o conteúdo de nossos sonhos.

Em um estudo pioneiro realizado em 1957, os pesquisadores americanos William Dement e Nathaniel Kleitman examinaram a relação entre o movimento dos olhos e o conteúdo do sonho. Eles acordaram os participantes durante o sono REM e pediram que descrevessem seus sonhos. Depois disso, cruzaram a descrição de cada sonho com o tipo de movimento ocular que ocorria naquele momento (vertical, horizontal ou misto)

Os participantes que eram acordados depois de vários movimentos verticais relataram estar "subindo uma escada" e "estar de pé na base de um penhasco, operando um guindaste e olhando para um grupo de alpinistas", enquanto que um participante que apresentara movimentos horizontais relatou ter sonhado com "duas pessoas jogando tomates uma na outra". Em comparação, os que apresentaram movimentos mistos costumavam estar observando pessoas próximas sem descrição de distância ou visão vertical.


Desde esse estudo, as evidências dessa associação entre os movimentos do sono REM e o conteúdo dos sonhos não foi consistentes. Indivíduos que nasceram cegos, por exemplo, movimentam os olhos mas seus sonhos não tem conteúdo visual.

Mas, em apoio aos resultados de Dement, um estudo recente feito com pacientes com distúrbio comportamental do sono REM (uma patologia que elimina a paralisia muscular, permitindo que as pessoas ajam de acordo com os sonhos) verificou uma forte correlação entre ações com objetivo dos membros e da cabeça e a direção da visão no sono REM.

Atividade Cerebral Durante o Sono


No dia-a-dia, quando vemos coisas, nossos cérebros e olhos agem de um certo modo para reunir e processar as informações no nosso campo visual e dar sentido a elas. Entretanto, a função do movimento dos olhos durante o sonhar é relativamente desconhecida. O artigo da Nature Communication de hoje joga um pouco de luz no assunto.

Geralmente, a atividade cerebral é medida de forma não-invasiva, a partir do couro cabeludo. Mas os pesquisadores da Universidade de Tel Aviv fizeram a gravação de dentro do cérebro de pacientes com epilepsia.

Epilépticos cuja doença não pode ser controlada por medicamentos têm eletrodos implantados dentro do cérebro como um método clínico de mapear sua atividade epilética e medir a possibilidade de um tratamento cirúrgico. Esses eletrodos foram implantados no lobo temporal médio, uma região associada à consciência visual.

Os pesquisadores compararam a atividade cerebral dos pacientes em três situações: durante o sono REM, movimentos despertos do olho no escuro (sem processamento visual) e processamento visual com a visão fixa (sem movimento do olho). Eles quiseram testar se o comportamento do cérebro durante o sono tinha mais relação com o movimento físico ou o processamento de informações visuais.

Os resultados mostraram que durante o sono, a atividade cerebral era mais parecida com a de processamento visual desperto (sem movimento) do que com o movimento físico dos olhos em um ambiente escuro, onde nenhum processamento visual estava ocorrendo.


Isso sugere que os movimentos rápidos que ocorrem durante o sono tem a ver com o processamento visual ao invés de mera ativação ou movimento físico. Ou seja, os participantes estavam olhando para uma imagem mental, não só reagindo a descargas elétricas nos centros motores do cérebro.

Ainda falta descobrir muita coisa, mas esse processamento detalhado das imagens dos sonhos sugerem que os movimentos rápidos do olho podem servir para modular nossa atividade cerebral durante o sono. Todos sabemos que o sono é necessário para o descanso e o rejuvenescimento, mas é bem provável que ele tenha outras funções importantes.

Seguindo algumas das teorias mais antigas sobre a razão de sonharmos, estaríamos nós processando informação que, durante o dia, evitamos de maneira consciente ou inconsciente, mas que por alguma razão "precisa" ser digerida, nem que seja durante o sono, para manter nosso bem-estar psicológico?

Serão os movimentos oculares um simples subproduto do processamento visual das imagens que sonhamos?

Existe uma base psicológica para termos que processar essas imagens durante o sono, e será que isso contribui a um resultado psicológico melhor, do mesmo jeito que o sono melhora a saúde física?

Essas e muitas outras perguntas são o que motivam a pesquisa do porquê de dormirmos, e quais são, exatamente, seus benefícios.

Fonte: IFLScience
Imagens: IFLSCience, Comic Vine

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