quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Olhos Nos Olhos... Peraí, Eu Já Não Fiz Essa Piada? - Quarta Científica #27


Desde corujas até borboletas e macacos, há vários exemplos da parte visual do cérebro evoluindo para dedicar mais energia a habilidades que sejam de particular importância para uma determinada espécie. Por exemplo, animais de hábitos noturnos têm uma visão excelente no escuro, mas não enxergam cores muito bem. Esse tipo de toma-lá-dá-cá é importante, porque ter um cérebro maior tem seu custo para os animais. Se o cérebro é grande, também é pesado, e precisa de mais alimento. O consumo de energia do cérebro humano é maior do que qualquer outra parte do corpo, até mesmo o coração.

A maior parte da pesquisa sobre a visão se concentrou na pequena parte central do nosso campo de visão. É por essa parte que enxergamos melhor; a parte que é testada pela tabela de letras do oculista. E ela é realmente bem pequena. Erga seu punho na frente do rosto com o braço esticado - essa é mais ou menos a área de que estamos falando. Fora desse centro, a visão é bem menos detalhada, mas a evolução gerou uma solução bem elegante. A visão periférica é boa o bastante para atrair sua atenção para um objeto. Se quisermos registrar mais detalhes, podemos olhá-lo diretamente.


Mas essa não é a unica função da visão periférica. Imagine o seguinte: você está jantando com um amigo, com quem conversa animadamente. Sem tirar os olhos de seu companheiro, você estica a mão, pega uma taça de vinho e bebe um gole. Para você, é algo simples de se fazer, mas o cérebro precisa formar uma imagem precisa do formato e do tamanho da taça, fora onde ela está localizada. (Segurar algo também depende do tato, mas a primeira coisa que fazemos é julgar visualmente as dimensões do objeto para então esticar o braço e segurá-lo de acordo.)

Desigualdade na Periferia


Já que os braços e mãos humanas estão abaixo dos olhos, o ato de esticar o braço costuma ocorrer na parte de baixo do campo visual - assim como a manipulação de objetos. Nós e nossos colegas de pesquisa nos perguntamos se a área visual do cérebro podia ter se adaptado a isso através da evolução, resultando em um sistema de visão que tem mais acuidade na parte inferior do que na superior.

Nós testamos essa ideia com um experimento, onde seis jovens adultos voluntários comparavam formas que apareciam em uma tela de computador, para testar se eles conseguiam distinguir entre um círculo perfeito e um levemente distorcido (estudos de visão como esse costumam usar grupos pequenos porque cada voluntário é submetido a um grande número de testes). como esperado, a performance do grupo foi melhor quando era possível olhar diretamente para as formas.

Em seguida, o teste foi repetido com as formas aparecendo acima e abaixo do nivel dos olhos, bem como dos dois lados. E dito e feito, os voluntários se saíram muito melhor em definir as formas que apareciam na parte de baixo de seu campo visual. Na verdade, o desempenho no experimento foi mais de 50% melhor do que com as formas aparecendo em cima ou dos lados.

Se isso fosse um desenvolvimento evolucionário, faria sentido que a visão da parte de baixo do campo visual fosse melhor do que o resto da nossa visão periférica só até o ponto que nos permitisse processar a forma do objeto, mas não seu tipo. Para ver se isso era verdade ou não, repetimos o experimento com um tipo específico de objeto: rostos.


Rostos são considerados um tipo especialmente importante de estímulos visuais para os humanos. Nós somos animais sociais, e ser capaz de reconhecer rostos com precisão é importantíssimo para o funcionamento da sociedade. Boa percepção facial te permite reconhecer pessoas familiares, distinguir amigos de inimigos e ler as emoções das pessoas que você encontra, tudo de maneira instantânea.

Estudos mostraram que humanos e outros primatas desenvolveram áreas do cérebro especializadas em processar rostos. Embora a capacidade de detectar rostos na sua visão periférica seja importante, não haveria vantagem em ser melhor em identificá-los se estivessem embaixo do campo de visão. A maioria dos nossos contatos sociais, afinal, tende a ser cara-a-cara.

Quando repetimos o teste novamente com rostos, a hipótese acabou sendo verdadeira também. Os voluntários tinham a mesma capacidade de reconhecimento no campo visual inferior e em qualquer outro lugar, e eram até um pouco melhores em distinguir rostos que apareciam no lado esquerdo. Esse dado curioso provavelmente se deve ao fato que a área do cérebro humano que reconhece rostos fica no hemisfério cortical direito. Assim como com outras funções cerebrais, o lado direito do cperebro controla o lado esquerdo do corpo, então era de se esperar.

As Faces Ocultas


Como um resultado controle para nossos experimentos, também testamos nossos voluntários com rostos sem feições internas - olhos, bocas, narizes etc. Tendo reduzido o rosto a uma forma comum, especulamos que os voluntários passariam a identificá-las melhor no campo visual inferior. E foi exatamente o que aconteceu.

Isso sugere que existe uma vantagem evolucionária em processar a forma de um objeto abaixo do centro da sua visão - por exemplo, poder pegar comida no chão da floresta antiga sem ter que tirar os olhos de predadores em potencial. Em contrapartida, há pouca vantagem e muito prejuízo na capacidade cerebral expandir isso para todos os tipos de objetos, inclusive rostos.


Então, da próxima vez que você saborear uma taça de vinho no jantar, pode ficar tranquilo ao saber que os seus sentidos visuais evoluiram para permitir que você pegue sua bebida sem olhar diretamente para ela. É só se lembrar de deixá-la na mesa, abaixo dos seus olhos. Qualquer coisa além disso e o mais provável é que você precise de uma toalha nova.

Fonte: IFLScience

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