quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Mary Poppins Já Dizia - Quarta Científica #33



Poder direcionar os medicamentos de uma quimioterapia para atacar células cancerosas - e somente as cancerosas - tem sido um objetivo dos pesquisadores médicos há muito tempo. Será, então, que a recente descoberta  de uma proteína da malária que parece atacar um tumor e não as células saudáveis um avanço significativo na corrida armamentista contra o câncer.

A ideia de atacar células cancerosas com proteínas carregando uma dose de medicamentos tóxicos com certeza não é de hoje. Na verdade, vários desses "complexos farmaco-proteicos" já foram aprovados pela Administração de Alimentos e Drogas (FDA) dos Estados Unidos desde 2011. Talvez a diferença mais importante entre essa última descoberta e os complexos já disponíveis seja o seu alvo: uma molécula de açúcar complexa encontrada principalmente em células cancerosas e na placenta de uma mulher grávida, e que é quase inexistente em células normais.


O Útil Parasita da Malária


A origem da proteína que se liga a esses açúcares, o parasita da malária, no caso, talvez gere repercussão, mas a sua origem é quase que inteiramente irrelevante. O que vai definir seu futuro como um mecanismo de administração de medicamentos é a habilidade da proteína de distinguir entre células cancerosas e saudáveis.

O objetivo supremo da pesquisa farmacológica contra o câncer sempre foi a capacidade de discernir tecido saudável de tumores. Essa capacidade em um medicamento minimizaria os tóxicos efeitos colaterais associados à quimioterapia tradicional, e permitiria o uso de dosagens mais altas para destruir o tumor mais rapidamente.

As proteínas podem ser usadas para mirar em um alvo na superfície das células cancerosas e jogar uma bomba de medicamento dentro delas. Isso requer um alvo na superfície das células dos tumores que não esteja presente em tecido normal. Os cientistas vêm procurando por esses alvos já há muitos anos, e vários tratamentos supostamente precisos foram desenvolvidos, com vários níveis de sucesso.

A noção de que um desses alvos possa ser encontrado em placentas, como ocorre com essa última descoberta, pode parecer ser meio bizarra a princípio. No entanto, os pesquisadores já há muitos anos acreditam que os segredos relacionados ao início e a progressão do câncer podem estar na capacidade do feto de se desenvolver a partir de um aglomerado de células pré-embrionárias e nas mudanças que ocorrem na placenta durante o desenvolvimento do bebê no útero.

A compreensão de alguns desses processos naturais de desenvolvimento pode levar a uma descoberta revolucionária na pesquisa do câncer, como a que foi relatada por esses pesquisadores. Neste caso, descobriu-se que a proteína encontrada na superfície do parasita da malária é capaz de se ligar a alvos na placenta. Isso permite que o parasita se associe com a placenta, o que pode gerar uma complicação comum da infecção por malária na gravidez. Mas a descoberta seguinte, a de que ela também se liga a alvos de açúcar específicos na superfície das células cancerosas, foi aproveitada pelos cientistas.

Açúcar Carrega Informações Importantes


Apesar de serem amplamente ignorados pela comunidade científica, ao longo de muitos anos, os açúcares complexos estão ganhando notoriedade rapidamente como algumas das moléculas mais importantes na superfície das células normais e cancerosas. De várias formas, a informação carregada pelos açúcares é muito mais complexa do que a presente no seu DNA. E talvez a descoberta mais importante nessa nova pesquisa seja o próprio alvo.

Tentativas anteriores de usar açúcares complexos como alvos para tratamento de cânceres mostraram resultados promissores, mas a maioria deles foram usados na pesquisa de vacinas contra o câncer. Portanto, a identificação de proteínas que podem buscar açúcares exclusivos às superfícies de células cancerosas pode ser um grande avanço na nossa capacidade de mirar tumores com complexos farmaco-proteicos.

Será, então, que esse novo sistema de administração de fármacos "com mira de proteína" vai realmente administrar medicamentos diretamente nos tumores humanos e minimizar o risco de danos ao tecido saudável do paciente? Os resultados de um experimento com camundongos sugerem que sim. Infelizmente, experimentos com animais nem sempre se tornam tratamentos eficazes para pacientes humanos, e nós devemos ser cuidadosos ao interpretar esse tipo de descoberta. O número de estruturas de açúcar diferentes na superfície de células normais e cancerosas também é enorme, e pequenas diferenças podem ser a diferença entre o sucesso e o fracasso como um alvo específico a cânceres. Uma mudança relativamente insignificante na estrutura dos açúcares entre as cobaias não-humanas e os pacientes poderia facilmente fazer com que o complexo farmaco-proteico atingisse células normais além das cancerosas, o que causaria danos significativos aos pacientes.

Apesar dos resultados desse estudo serem empolgantes, ainda vai demorar muito para podermos determinar toda a sua influência no campo do tratamento localizado de câncer. Os cientistas e os pacientes certamente vão observar com grande interesse conforme esses complexos avancem para testes clínicos.

Fonte: IFLScience

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