terça-feira, 17 de novembro de 2015

O Que Faz Um Fã? - Terça no Cinema #37


Algumas semanas atrás, um dos meus amigos do Twitter propôs uma pergunta interessante: É possível ser fã de Star Wars sem ter visto os filmes? Na nossa cultura fandom-crática e geek-cêntrica, o debate "o que faz um fã" aparece com frequência, em particular nas fanbases mais extremistas cujos membros por vezes agem menos como anfitriões convidativos e mais como leões-de-chácara mal encarados  na porta de uma boate exclusiva.

O dicionário Merriam-Webster define "fandom" da seguinte maneira:

Definição de FANDOM (substantivo)

1: todos os fãs (de um esporte, p. ex.)
2: o estado ou ações de ser fã

Só isso. Não tem nada quanto ao tipo de conteúdo consumido ou a quantidade do consumo.

Qualquer um que já tenha ido a uma convenção ou começado a interagir com um novo círculo de geeks sobre algo que eles gostam, seja Doctor Who ou DC Comics, inevitavelmente se viu de frente a um teste arbitrário para "provar" sua condição de fã. E é um teste no qual nunca se pode passar, porque a nota de corte sempre muda, e depende totalmente dos preconceitos do guardião dos portões que está te interrogando. Todo mundo sabe como é.

Mas estamos em 2015. O entretenimento não está mais limitado a um único meio e o conteúdo está sempre em evolução. Com o foco atual em universos expandidos e franquias presentes em vários meios, filmes não são o único ponto de entrada para um fã que esteja se interessando por algo novo. E também não é necessário que as raízes daquele universo ficcional sejam o ponto de partida para entendê-lo, ou sua mitologia, ou a franquia como um todo.


Star Wars, por exemplo. A franquia pode ter começado com três humildes filmes, mas nas décadas que se passaram, o universo se expandiu e cresceu até tomar proporções monstruosas. Já foram escritos mais de 100 livros situados no universo Star Wars, canônicos ou lendários, já foi publicada uma dúzia de livros de referências, além de vários livros para jogos de RPG. Os filmes já foram adaptados para o rádio várias vezes. A linha de quadrinhos de Star Wars é enorme, com novas séries e histórias que continuam a alimentar o universo. Sozinho, o MMORPG Star Wars: The Old Republic criou um vasto universo online, e outros jogos como Star Wars: Battlefront e Star Wars: Knights of the Old Republic se tornaram incrivelmente populares. O aplicativo Star Wars: Card Trader da Topps foi lançado este ano e fãs de todas as idades vêm trocando milhões de cartas desde Março. No quesito televisão, tanto Star Wars Rebels quanto Star Wars: Guerras Clônicas foram sucessos de crítica e de audiência, além de gerarem uma base de fãs muito apaixonada. E na D23 Expo em Agosto deste ano, a Disney anunciou, formalmente, seus planos de adicionar parques temático de Star Wars de mais de 56.000 metros quadrados na Disneylândia e na Disney's Hollywood Studios.

Em outras palavras, é possível mergulhar de cabeça no universo Star Wars e não voltar a tona por anos e anos  sem nunca chegar perto das duas trilogias de filmes. Claro que existe mérito em conhecer os filmes originais que deram início a tudo, mas será que dá para olhar para alguém que leu até o último livro de Star Wars, ou que conhece os quadrinhos como a palma da mão, e dizer que ela não é fã de verdade?

Os fandoms começam quando um grupo de pessoas se apaixona por um certo ícone da cultura popular. Talvez seja pelos personagens, talvez pela narrativa, mas independente de como um fandom cresça, a semente da qual ele nasceu sempre vem do amor. E isso deveria ser o bastante.

Vou me usar como exemplo: eu sou um Whovian autoproclamado. Eu amo Doctor Who. A série me enche de alegria, e eu a defenderia até a morte contra aqueles que a chamam de "exagerada", porque, como eu sempre digo, eles prestam atenção nas coisas erradas. Eles não entendem o espírito de Doctor Who. A série não é sobre os efeitos especiais ou a ciência fazendo sentido. É sobre o desgaste que a imortalidade gera na alma de uma pessoa; é sobre amizade, coragem e caráter inabaláveis; é sobre o espírito de aventura e a esperança de haver algo maravilhoso a cada esquina; é sobre o amor profundo e incondicional que um alienígena que viaja no tempo, é praticamente onisciente e é quase imortal tem pela nossa mísera espécie humana. Eu devo ser capaz de listar a linha do tempo da nova série de trás para frente e, se você me disser o título de um episódio a esmo, eu provavelmente poderia dar um resumo dele e dizer por que ele foi importante para a mitologia. Eu assisti o spin-off, Torchwood, do começo ao fim e tem vários quadrinhos de Doctor Who empilhados na minha mesa de cabeceira nesse exato momento.


Mas, uma coisa que eu nunca fiz foi assistir à série clássica de Doctor Who. E nem quero assistir. E, mais ainda, eu não preciso. Eu sei o que veio antes, graças à internet e à minha mente razoavelmente curiosa que gosta de pesquisar sobre coisas que eu não sei. Enquanto os fãs agressivos acreditam que é o conhecimento, não o amor por algo que define o quanto se é fã de alguma coisa, eles esquecem que, quando se ama aquilo de verdade, as pessoas vão atrás e aprendem mais no seu próprio ritmo. Não para ser o maioral sabe-tudo da cultura pop, e sim, só para passar mais tempo no mundo que eles amam.

Essa é a maravilha de se viver na era atual. Nós somos capazes de escolher nossos interesses dentro de um fandom de uma maneira que as gerações anteriores nunca puderam. Os primeiros fãs de Star Wars tinham os filmes, alguns livros e só. Nós temos a sorte de ter um universo inteiro de mídias e conteúdos. As maiores e mais antigas propriedades intelectuais são seus próprios mundos. É só olhar para a transformação da Marvel durante a última década, de uma editora de quadrinhos brigando para fechar as contas para um titã do entretenimento e um fenômeno global que está visivelmente influenciando a maneira que vemos o mundo. Que sorte temos de estarmos vivos agora, em uma época em que há tantas histórias dentro dos universos ficcionais que amamos, de modo que somos capazes de fazer nossas próprias experiências enquanto fãs, sem sacrificar nada do que amamos? É um excesso de abundância ao qual, infelizmente, muitos fãs não dão valor.

Fonte: FilmSchoolRejects
Imagens: Threadless, Geekritique e Fresh From The Quarry

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